Diário acadêmico

Sobre a pesquisa-ação na educação e as armadilhas do praticismo

Posted on: 27/10/2017

Resumo do texto de Marília Gouvea de Miranda & Anita C. Azevedo Resende

O conceito de pesquisa-ação abre discussões acerca da relação entre teoria e prática, um impasse enfrentado por pesquisadores da educação.

Qual a importância da pesquisa-ação para a investigação em educação?

A pesquisa – ação incorpora a ação como sua dimensão constitutiva, ou seja, articula a relação entre teoria e prática no processo de construção do conhecimento. O próprio pesquisador em educação deixa evidente a relevância da prática em seu processo de investigação, pois possibilita uma atuação efetiva sobre a realidade estudada.

Sobre conhecimento e intervenção social

A conformação da ciência como único conhecimento possível, e de seu método como único válido, implicaria que o recurso à causa ou princípios que não fossem acessíveis a esse método não daria origem ao conhecer. E qualquer conhecimento que não recorresse a tal método também não teria valor. Nessa perspectiva o método da ciência constituiu-se descritivo, no sentido de que os fatos e as suas relações constantes foram compreendidos pelas leis que consentiam na sua previsão. Assim, a “verdade” havia de ser garantida, mais pela forma como era obtida, pelos procedimentos e instrumentos, do que pelo conteúdo que pudesse revelar.

A verdade do objeto

A verdade do objeto estava assegurada pela fiel e comprovada apreensão empírica, pela possibilidade de repetição, refutação e experimentação, descrição do objeto em sua representação, forma de manifestação imediata ou aparência. Qualquer sujeito poderia comprovar a sua verdade, desde que garantidos os mesmo procedimentos e regras de conhecer. Dessa forma, o conhecimento postulou-se objetivo e neutro.

A neutralidade

A neutralidade ante a objetividade efetivou-se como conservação e afirmação da realidade mesma, revelando-se pseudopretensão, porque efetivada historicamente como conservação, manutenção, funcionalidade e controle. Diante dos desafios que se colocavam no mundo, que se revolucionava já no século XIX, avançando para o século XX, tendências e vertentes nas ciências humanas e sociais buscaram libertar-se da epistemologia das ciências naturais.

As ciências humanas surgem como uma nova forma de pesquisa

A compreensão desse mundo complexo elaborou propostas distintas para o conhecimento da realidade. De um lado, traduzidos para o campo da sociedade, da cultura e do indivíduo os procedimentos que já haviam sido elaborados e continuavam a elaborar-se nas ciências físicas e naturais; de outro, produziam-se novos procedimentos de reflexão ante a originalidade dos dilemas e acontecimentos que caracterizam a vida social e o indivíduo no mundo moderno. Institucionalizadas nesse quadro, as ciências humanas e sociais desenvolveram-se sobremaneira a partir da virada do século XX, enfrentando, sem resolver, as questões fundamentais da relação entre sujeito e objeto, teoria e prática. Os cientistas sociais voltavam-se para uma abordagem compreensiva: em lugar da “causação” funcional, a conexão de sentido, a compreensão, o mundo da vida, as ações e relações sociais, o indivíduo, a identidade, a alteridade, a subjetividade, os valores, as ideias, as fabulações.

Desafios da investigação qualitativa

Trata-se de assumir a unidade originária da relação entre sujeito e objeto, a investigação científica devendo aceitar o desafio de um objeto que não se revela pela descrição de sua manifestação, mas somente pela apreensão e compreensão da diversidade de seus nexos, processos e estruturas de diferentes ordens. É um objeto que se põe como desafio, seja ele o indivíduo, a sociedade, o grupo, a classe, o movimento social, a escola, o ser humano na sua intrincada e contraditória realidade individual e histórica.

Diferença entre ciências naturais e ciências sociais

As ciências naturais realizam principalmente a explicação, ao passo que as ciências sociais propiciam, principalmente, a compreensão, reconhecendo-se que a teoria e a prática constituem-se reciprocamente, porque a objetividade histórica e não natural é, antes, produto de objetivações humanas.

Pesquisa – ação e prática social

À pesquisa – ação são atribuídas leituras que adotam uma perspectiva mais explicativa (experimental) ou mais compreensiva (fenomenológica ou dialética). Sob o ponto de vista de René Barbier (2002)

• Descreve a pesquisa – ação como “uma revolução epistemológica ainda não suficientemente explorada nas ciências humanas.”

• Visa mudança pela transformação recíproca da ação e do discurso.

• Recorre à teoria de complexidade de Edgar Morin para contrapor-se ao “ideal de simplicidade” das ciências da natureza.

• Só o paradigma da complexidade poderia apreender o ser humano, entendido como uma “totalidade dinâmica, biológica, psicológica, social, cultural, cósmica, indissociável”.

• Esse paradigma impõe ao pesquisador uma visão sistêmica aberta  – combinar as ações ( organização, informação, energia, retroação, as fontes, os produtos e os fluxos do sistema) sem fechar-se numa clausura para onde leva, geralmente, o espírito teórico.

Carr e Kemmis (1988) defendem que a teoria educativa deve corresponder a cinco exigências:

a) Rejeitar as noções positivistas de racionalidade, objetividade e verdade;

b) Admitir a possibilidade de utilizar as categorias interpretativas dos docentes;

c) Encontrar meios para distinguir as interpretações que estão ideologicamente distorcidas das que não estão. Devendo proporcionar orientação sobre como superar os auto – entendimentos distorcidos;

d) Preocupar-se em identificar aspectos da ordem social existente que frustram a obtenção dos fins racionais;

e) Reconhecer que a teoria educativa é prática, no sentido de que a questão de sua consideração educacional seja determinada pelo modo que se relaciona com a prática.

Destacam-se ainda a teoria da complexidade, de Morin (trazida por Barbier) e a teoria da ação comunicativa de Habermas (apresentada por Carr e Kemmis) que convergem da seguinte forma:

 a) os autores são bastante incisivos na crítica ao positivismo nas ciências sociais;

b) recorrem às abordagens compreensivas para extrair delas as possibilidades dos sujeitos e dar significado a realidades vividas mediante categorias interpretativas;

c) vinculam a noção de pesquisa à ideia de mudança, de transformação dos atores e sua realidade;

d) investigam o conceito de pesquisa junto à ação – prática, com a resolução dos saberes entre nas ciências humanas e sociais dando – se no campo da prática e da ação social;

e) postulam uma noção de totalidade referida à prática abrangendo a ação e a experiência do sujeito.

f) A pesquisa – ação, mais do que uma abordagem metodológica, é um posicionamento diante de questões epistemológicas fundamentais como a relação entre sujeito e objeto, teoria e prática, reforma e transformação social.

O praticismo e seus riscos

A pesquisa – ação se posiciona como crítica ao objetivismo estéril, próprio do positivismo. É na perspectiva compreensiva, que busca uma compreensão da relação entre sujeito e objeto nas ciências humanas e sociais.

De acordo com Adorno ( apud Miranda & Rezende, 2006), a separação entre sujeito e objeto se torna ideologia sempre que for fixada sem mediação. Por isso deve-se evitar a armadilha de, ao se contrapor ao primado da objetividade, resvalar no subjetivismo.

A pesquisa – ação critica a noção de uma teoria contemplativa e abstrata, pois de acordo com a afirmação de Marx, não se trata apenas de compreender o mundo, mas de buscar transforma – lo – tal ideia deve ser entendida na perspectiva das mediações construtivas das relações postas entre o sujeito e o objeto, teoria e prática.

É importante discutir a tendência de estabelecer o primado da ação sobre a reflexão, que resultam em dois graves reducionismos: o praticismo e a instrumentalização da teoria – mesmo sendo sempre vinculada à prática, teoria não é prática, não se reduz a esta e não pode se orientar imediatamente pelo seu interesse; a defesa do praticismo alimenta a retórica reformista da educação e seus efeitos podem ser notados nas diversas expressões de repúdio à teoria e a cultura acadêmica.

Considera-se que a boa pesquisa, a boa prática e a boa teoria seriam aquelas que presidiriam a efetiva solução dos problemas enfrentados individual ou coletivamente pelo professor. Deve-se insistir no risco de fazer com que a pesquisa – ação seja convertida em estratégia de políticas públicas com a finalidade de imprimir reformas no campo da retórica e da ação do professor, quando, então, a sua discussão epistemológica e intelectual se transfere para normalizações instituidoras da prática docente.

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