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CORDEIRO, Mariana Prioli. Universidade de São Paulo, 2013, 33 (3) 716 – 729.
Esquema de estudos
- Duas versões dessa disciplina: uma anterior e outra posterior à crise de referência que atingiu essa área do conhecimento na década de 70.
- a primeira era marcada pela hegemonia da Psicologia social norte-americana, tinha uma base positivista e Aroldo Rodrigues era seu principal representante brasileiro.
- A segunda caracterizava-se por fazer uma severa crítica ao modelo biologicista e, principalmente, por defender uma ciência comprometida com a transformação social.
- A realidade não é um fato externo, objetivo e sujeito à interpretação cultural da ciência. Pelo contrário, é algo construído e reconstruído ativamente.
- Só podemos falar do real ao nos referirmos a uma multiplicidade de materiais heterogêneos conectados em forma de uma rede que tem múltiplas entradas, está sempre em movimento e aberta a novos elementos que podem se associar de forma inédita e inesperada. Todos os fenômenos são efeitos dessas redes que mesclam simetricamente pessoas e objetos, dados da natureza e dados da sociedade, oferecendo lhes igual tratamento.
- Significa considerar que qualquer coisa – pessoa ou objeto – cuja incidência modifique um estado de coisas seja um ato, não estabelecendo, a priori o que é social, natural ou tecnológico.
- Que nenhuma ciência do social pode existir se não explorar, primeiramente, a questão do que e de quem participa da ação – ainda que isso signifique permitir que se incorporem elementos não humanos à resposta.
- A guerra e o autoritarismo levaram ao enfraquecimento da fé na igualdade de oportunidades e ao esgotamento das garantias de coesão social pelo simples crescimento econômico, fazendo com que instituições – como a escola, a prisão e a fábrica – fossem questionadas, favorecendo, com isso, o fortalecimento das correntes neomarxistas.
- Nesse mesmo período, a eficácia da Psicologia social norte americana começou a ser problematizada pelos europeus.
- Na França – por ser “uma ciência ideológica, reprodutora dos interesses da classe dominante, e produto de condições históricas específicas”
- Na Inglaterra – crítica ao positivismo, que, em nome da objetividade, (perdia) o ser humano.
- Essa crise de referência começou a fortalecer-se no Brasil e em outros países da América Latina com uma década de atraso. Os principais motivos de insatisfação foram:
- A dependência teórico-metodológica, principalmente dos Estados Unidos;
- A descontextualização dos temas abordados;
- A superficialidade e a simplificação das análises desses temas;
- A individualização do social e a ausência de preocupação política.
- Sílvia Lane, fundadora da escola socio-histórica da PUC-SP, é apontada como principal opositora ao positivismo – corrente norte americana – defendida por Aroldo Rodrigues.
- A Psicologia social de Aroldo Rodrigues (1972):
- Estudo científico do processo de interação humana;
- É uma ciência básica cuja única forma de intervenção é indireta: ela fornece dados objetivos para que tecnólogos sociais possam resolver problemas sociais.
- Estudar um determinado fato a partir do método científico significa orientar-se pelo seguinte esquema:
- Parte – se de uma teoria para levantar hipóteses.
- Testam-se as hipóteses levantadas;
- Analisam-se os dados colhidos.
- Por fim, confirmam-se ou rejeitam-se as hipóteses iniciais.
- Esse esquema deve ser marcado pela neutralidade do (a) psicólogo (a) social em sua procura pelas relações não aleatórias entre variáveis.
- Apesar de Rodrigues admitir que a escolha do tema e o relatório do cientista podem não ser neutros, para ele, “o produto final, isto é, o conhecimento novo que surge, esse é inexoravelmente neutro, pois toda a comunidade científica o fiscaliza”.
- Segundo Rodrigues (1989), a ênfase na práxis e no compromisso social do (a) pesquisador (a) foi o principal desencadeador da crise que atingiu a Psicologia social em meados da década de 70.
- Essa crise só ocorreu devido à ignorância da distinção entre ciência e tecnologia.
- Assim como fisiólogos não curam doentes, ou físicos não constroem pontes e casas, psicólogos sociais não são os responsáveis por mudar a realidade social, mas sim por produzir conhecimento.
- A resolução de problemas concretos são tarefas dos tecnólogos sociais.
- Sílvia Lane:
- Critica a defesa da neutralidade da ciência e da objetividade dos fatos.
- Resgata a subjetividade, e não vê o indivíduo como produto de si mesmo.
- “Se o homem não for visto como produto e produtor, não só de sua história pessoal, mas também da história de sua sociedade, a Psicologia estará apenas reproduzindo as condições necessárias para impedir a emergência das contradições e a transformação social” (Lane, 2001, p. 15).
- Uma atuação mais consequente da Psicologia, na qual teoria e prática devem andar sempre juntas.
- Considerar a Psicologia social como práxis significa abrir mão da busca pela neutralidade científica.
- Tanto o pesquisador quanto o pesquisado são, ao mesmo tempo, produtos e agentes histórico-culturais:
- Definem-se por meio de relações sociais que tanto podem reproduzir as condições sociais em que ambos estão inseridos quanto podem transformá-las.
- Conclusões:
- Ao contrário do que afirmam alguns autores, a crise de referência não representou um divisor de águas propriamente dito – afinal, ela não eliminou por completo a Psicologia social norte-americana e a substituiu por uma ciência dita politicamente comprometida.
- A despeito de ocorrerem em locais distintos e de possuírem diferentes objetivos e modos de intervir, as diferentes versões da Psicologia social são chamadas da mesma maneira, são todas chamadas de Psicologia social:
- Esse rótulo funciona como uma espécie de ponte que une diferentes espaços e práticas:
- Cria semelhanças;
- Articula as realidades de um objeto múltiplo.
- Todos os cursos de graduação em Psicologia do País possuem ao menos uma disciplina voltada para a Psicologia social.
- Coexiste a ciência básica – que faz uso de laboratórios, experimentos e escalas para estudar o comportamento interpessoal – com a ciência politicamente comprometida e preocupada em entender como o ser humano se torna agente da História.
- Para contar a história da Psicologia social brasileira, não basta falar de personagens e de fatos, mas é preciso, também, falar de práticas, objetos, instrumentos… Atores humanos e não humanos.
- Ao admitirmos que, em um campo do conhecimento, coexistem diferentes teorias, metodologias e objetos de estudo, nós admitimos ser complexa a realidade.